É difícil analisar filmes mais clássicos com a mente de hoje, pois por mais que o filme seja uma obra a frente do seu tempo como é o caso de Trono Manchado de Sangue sempre fica aquele sentimento de: “será que esse filme é isso tudo mesmo?” O que é injusto tanto com o filme, tanto com quem está falando sobre o filme.

Trono Manchado de Sangue é provavelmente um dos filmes mais elogiados do diretor japonês Akira Kurosawa, junto com Os Sete Samurais (1954). E os dois filmes me passaram o mesmo sentimento, são bons? Obviamente, principalmente na parte estética (o que pra mim é o grande trunfo do diretor), mas eu preciso ver mais filmes dele pra chegar a uma opinião mais embasada.

Mas parece que me falta algo, ou talvez a áurea que foi criada em volta dos filmes do diretor me faz esperar sempre algo transcendental, quando na verdade são filmes que foram considerados os “blockbusters” japoneses da época, Os Sete Samurais principalmente, às vezes é impossível não ver o filme como gostaríamos que fosse.

Trono Manchado de Sangue (1957) - Toshirô Mifune
Daqui até a metade, o filme é perfeito.

História

Como todo bom filme de samurai, Trono Manchado de Sangue se passa no período Sengoku, época onde o Japão passava por uma convulsão social, muita instabilidade política e guerra civil (o Sengoku ocorreu entre a metade do século XV e o final do século X). Muitos clãs de samurais estão espalhados pelo país e disputam entre si o poder em cada região, é onde conhecemos os samurais Washizu Taketori (Toshirō Mifune) e Miki Yoshiaki (Minoru Chiaki).

Amigos desde jovens, os dois voltam para os domínios do seu senhor para comemorar uma vitória, porém antes de chegar eles acabam se perdendo na floresta à caminho da Fortaleza Castelo Teia de Aranha (título original do filme inclusive “Kumonosu-jō”). Perdidos na floresta eles acabam encontrando o “espírito maligno da floresta” que acaba lhes profetizando:

“Washizu em breve você será transferido para um forte e logo você vai se tornar o Senhor do Castelo Teia de Aranha, já você Yoshiaki não terá tanta sorte, porém seu filho vai se tornar o Senhor do Castelo Teia de Aranha”.

Pensando ser uma alucinação eles obviamente não acreditam, porém ao chegarem ao Castelo Teia de Aranha os dois são promovidos, ou seja, as profecias podem ser verdadeiras.

Trono Manchado de Sangue (1957) - Isuzu Yamada
Acho essa mulher mais assustadora que o espírito da floresta, méritos da atriz Isuzu Yamada.

O que vemos aqui é a clássica história do, se você sabe o que vai acontecer no seu futuro, você deixa as coisas rolarem ou faz ele realmente acontecer? Gosto de como o filme na verdade se vende como um filme de samurai, assim como a maioria dos filmes do Kurosawa (não que eu tenha visto muitos, mas estou correndo atras disso rs), mas na verdade é sobre outra coisa, usando a “áurea samurai” como plano de fundo.

Na verdade é um filme que busca discutir sobre a ganância dos humanos, e ainda tem um que de filme de terror, bom pelo menos até a metade.

Trono Manchado de Sangue (1957) - Toshirô Mifune, flechadas
Essa cara de assustado do ator Toshirô Mifune foi real, Akira Kurosawa usou atletas de arco flechas pra literalmente atirar perto dele.

Macbeth de terror japonês?

O filme até a metade pra mim é perfeito, ele é praticamente uma história de terror com espíritos japoneses, e temperado com uma técnica absurda, o filme tem um que teatral (inspirado do teatro noh), tanto na interpretação, quando na parte estética. A cena onde os samurais encontram o espírito pela primeira vez é aterrorizante e enquadrada de uma forma que mesmo não sendo um filme 3d, a gente sente a profundidade da cena (tanto estética como no texto), eu gostei demais.

Ao mesmo tempo que o filme tem um aspecto teatral, ele consegue unir isso como uma linguagem mais cinematográfica digamos assim. Na mesma cena por exemplo, eles utilizam de truques de câmera para fazer aparecer e desaparecer o espírito, a fumaça e todo o misancene é feito sem nenhum corte, ou seja em plano sequência… se tem uma coisa que gosto é um bom plano sequencia. E lembre-se estamos falando de um filme de 1957, se hoje já não é tão fácil imagina naquela época.

Trono Manchado de Sangue (1957) - Espírito da Floresta
O espírito da floresta e sua referência ao máquina de fiar, que prevê o futuro.

Porém acho que da metade pra frente o filme perde um pouco esse aspecto mais teatral e fica mais tradicional, não que seja ruim, mas esse aspecto mais fantasioso combinava mais. Inclusive a primeira e a última cena do filme são as mesmas. O que contribui ainda mais pra sensação de que a gente estava vendo ali era o resquício das almas dos participantes daquele acontecimento encenando o que tinha acontecido e não o acontecimento em si.

Pesquisando pelo filme descobri que ele é considerado uma das melhores adaptações da peça Macbeth de William Shakespeare, obviamente pela visão japonesa e se passando na época dos samurais (a história original se passa na Escócia medieval), o que faz todo sentido o filme ter um aspecto teatral, pois é onde essa história é mais conhecida. Infelizmente não li e nunca vi outra interpretação desta obra (pelo menos não que eu saiba rs).

Trono Manchado de Sangue (1957)
Um das raras imagens dos bastidores de Trono Manchado de Sangue.

Mas o que faltou pra você Doug?

Então, como disse lá no começo eu estaria louco se falasse que esse filme é ruim, muito pelo contrário é um filme muito acima da média, mas da metade da história pra frente eu acho que o filme perde um pouco esse aspecto diferenciado e se torna um bom filme, mas exatamente isso só um bom filme.

Vou te dar um exemplo, depois de ser promovido, o samurai Washizu (Toshirô Mifune) conta pra sua esposa Lady Asaji Washizu (Isuzu Yamada) sobre as profecias do espírito. Ao saber disso ela meio que instiga o seu marido a ajudar que isso aconteça, ou seja, se tornar um traidor e matar seu senhor. Reticente ele nega, mas acaba cedendo.

Trono Manchado de Sangue (1957) - Isuzu Yamada
Não basta ser assustadora, ela ainda quebra a quarta parede (foi daqui que o Sam Raimi se inspirou pra fazer a cena da Wanda em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura).

Com o passar do tempo Washizu acaba enlouquecendo pelo que fez, enquanto sua esposa goza das mordomias de ser a esposa de um Senhor Samurai. Porém as coisas mudam de figura onde ela enlouquece ao perceber que a profecia iria de fato ocorrer (ou seja, o filho de Miki de alguma forma iria se tornar o senhor, enquanto seu marido iria cair). Já Washizu se torna caba vez obsessivo em tentar mudar o final da profecia, mas como disse antes, quando as coisas já estão pré estabelecidos… tudo o que você fizer só vai ajudar que o que tem que acontecer aconteça.

Porém acho que o filme faz isso de forma muito corrida, perdendo todo a poesia que teve na primeira metade. E de novo as cenas são boas, as jogadas de câmera também (a cena da Lady saindo do quarto escuro é sublime, mas o filme deixa de lado um pouco esse tom mais dark daqui pra frente), e acaba perdendo aquele aspecto mais teatral. O que era justamente o que eu mais estava gostando no filme.

Trono Manchado de Sangue (1957) - Toshirô Mifune, Akira Kubo e Takamaru Sasaki
Os três senhores do Castelo Teia de Aranha.

Ok Doug, mas vale a pena?

Mais uma obra do Akira Kurosawa entrando para o currículo, e mais uma obra onde tenho sentimentos conflitantes sobre ela, ao mesmo tempo que acho incrível, acho que ele escolhe deixar de ser incrível de propósito.

Provavelmente verei novamente sem criar expectativas demais e tentarei sentir mais a obra como ela é, e não como eu gostaria que fosse.

Trailer

Onde assistir Trono Manchado de Sangue (1957)?

Eu assisti Trono Manchado de Sangue (1957) por aí rs , mas ele pode ser assistido de forma oficial pelo Belas Artes.

Alguns filmes podem não estar mais disponíveis no catálogo dos serviços de streamings e nem a venda, mas estou sempre atualizando os links… então fique sempre de olho.

REVISÃO GERAL
História
Macbeth de terror japonês?
Mas o que faltou pra você Doug?
trono-manchado-de-sangue-1957Trono Manchado de Sangue (Kumonosu-jō) - Japão - 1957 - 1h 50 min. <br> Gênero: Drama, História. <br> Direção: Akira Kurosawa. <br> Elenco Principal: Toshirô Mifune, Isuzu Yamada, Takashi Shimura, Akira Kubo, Hiroshi Tachikawa, Minoru Chiaki, Takamaru Sasaki, Gen Shimizu, Kokuten Kōdō.

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