Vou ser bem sincero com você, O Fim Da Viagem, O Começo De Tudo é um filme chato (o que não faz dele ruim), mas é uma realidade. Como disse no título, se você não dormir a chance de gostar do filme é grande, mas escolha um dia que estiver com bastante energia.
História
No filme acompanhamos a história da repórter Yoko (Atsuko Maeda) que junto com a sua equipe de um programa de tv japonês, viajam até o Uzbequistão para mostrar curiosidades do local. Porém problemas nas filmagens devido às diferenças culturais (e um certo desinteresse da mesma pelo lugar) fazem ela entrar num conflito interno sobre o de fato ela quer pra sua vida.
A verdade é que não temos aqui um filme com grandes reviravoltas (tirando a parte fantasiosa do filme, mas é mais uma teoria minha do que qualquer coisa rs), ele se passa em poucos dias e é todo focado em Yoko. Porém é um filme repleto de metáforas, algumas óbvias e outras nem tanto, e o fato de ter escolhido Atsuko Maeda ajudou muito nisso.
Perdidos na Tradução
Um dos grandes temas do filme é sobre comunicação ou a falta dela. Yoko não tem problema de comunicação apenas com a língua e cultura de um país estranho pra ela, mas também com seus próprios desejos e sentimentos.
O filme usa a todo momento essa metáfora do idioma pra dizer o que ela de fato está sentindo, ao mesmo tempo que ela se sente acuada e com medo de andar em um lugar onde os populares sempre a estão encarando, ela também não faz muita questão de tentar entender o lugar que se encontra, ela só está lá pra fazer um trabalho e voltar pra casa.
Logo no começo do filme durante a gravação de uma cena em um restaurante, ela experimente a comida local (que foi feita de forma errada pois o que importava ali não era mostrar a cultura, mas criar um conteúdo), ela finge gostar durante as câmeras (uma critica também a produtos de entretenimento cada vez mais falsos e vazios). Mas quando a comida é feita de forma correta chega, ela sequer mostra interesse.
Porém quando chega ao hotel depois de um dia difícil, ela acaba justamente comendo a comida (e gostando). Ou seja, ela só vai entender o mundo a sua volta quando começar a entender a si própria. Então o que parece ser superficialmente algo como apenas diferenças culturais e um certo etnocentrismo, é um problema muito mais interno do que externo.
A liberdade não vem sem riscos
Outro tema que o filme aborda é a liberdade, em certo momento do filme um personagem diz:
“Aqui no Uzbequistão não tem mar, o Japão é cercado por ele, o mar é um lugar livre”.
Porém Yoko responde:
“Pra mim o mar não é sinônimo de liberdade, tem muitos perigos lá”.
Esse é um dos pontos de virada do filme, pois é através dele que Yoko começa a perceber que para ser “livre” ela precisa primeiro entender que não existe liberdade sem riscos. A cena que reflete isso é ela saindo sozinha com um câmera pelos arredores de uma feira livre.
Porém ao ser abordada pela polícia ela se sente acuada e foge, e só ao ser pega pela polícia ela entende de que as vezes precisamos nos arriscar e principalmente nos comunicar.
E por eu digo isso? Muitos dos problema dela poderiam ser evitados se ela simplesmente tivesse tentado se comunicar com os policiais, mas como ela projetou o lugar e as pessoas de lá como sendo hostis sem ao menos ter o interesse de se comunicar com elas, ela mesmo causou vários de seus próprios problemas.
Atsuko Maeda, o filme
O Fim Da Viagem, O Começo De Tudo é aquele tipo de filme onde basicamente o que importa é só um personagem, no caso Yoko (Atsuko Maeda), o restante do elenco só existe para fazer a trama girar, e a escolha de Atsuko Maeda foi perfeita para o papel (principalmente se você conhecer o histórico da carreira dela).
Caso você não a conheça aqui vai um pequeno resumo, Atsuko Maeda entrou pro mundo do entretenimento através do grupo idol chamado AKB48, ao saír do grupo ela enveredou para a carreira de atriz.
Em muitos momentos a história de Yoko se relaciona com a própria Atsuko Maeda. Yoko tem o sonho de ser um cantora, pois esse é seu verdadeiro sonho, mas encontrou como sendo repórter uma forma de entrar para a carreira artística (mesmo que tenha que se submeter a algo que não necessariamente queria). O que é justamente o que Atsuko Maeda fez, afinal idols são conhecidas por não terem muito controle artístico sobre o que fazem.
Se O Fim Da Viagem, O Começo De Tudo fosse um filme americano, provavelmente seria aquele filme que renderia o Oscar de melhor atriz para Atsuko Maeda (que realmente leva o filme nas costas), pois seria aquele filme feito praticamente pra mostrar que ela não era apenas um rostinho bonito, mas que sabe sim atuar e cantar, idols costumam ter a fama de não serem lá tão boas cantoras (o que nem sempre é uma verdade) e de serem apenas objetos do entretenimento, ou seja, uma mercadoria que logo será descartada.
O filme acaba servindo tanto para um crítica ao próprio entretenimento, como uma espécie de redenção para a própria Atsuko Maeda que entrega uma das melhores interpretações japonesas da década.
E o grande trunfo da interpretação de Maeda é justamente no minimalismo, esqueça todo aquele exagero proposital nas interpretações japonesas, aqui é tudo mais contido. O que reforça ainda mais o talento da Maeda, principalmente nas cenas onde ela começa a “atuar” como repórter, só essas cenas já são críticas ao mundo do entretenimento (rs).
O que também não deixa de ser uma metalinguagem, em uma das cenas Yoko é submetida a entrar em um parque de diversões com um brinquedo bem rudimentar, para fazer mais takes para o programa, ela passa mal, mas pelo show ela se submete a isso (além de claro, dizer que é um brinquedo diferenciado). E qual a ironia disso tudo? Não tem duble aqui, Maeda teve que passar pela mesma coisa que sua personagem para o bem de uma produção, legal né?!
E tecnicamente?
Não sei a quanto tempo você acompanha meu conteúdo, mas geralmente eu me foco mais na história e nos sentimento que ela me fez sentir., acredito que arte é mais sobre sentimento do que sobre técnicas (embora obviamente é através da técnica que uma história é contada) Falo mais da parte técnica, quando vejo algo muito acima da média (ou abaixo).
Dito isso, é um filme simples (em alguns momentos quase documental), mas que para os propósitos do filme foi uma boa escolha, no fim das contas é um filme minimalista que usa uma linguagem minimalista pra contar sua história.
Mas confesso, que um pouco de dinamismo cairia bem aqui.
Metáforas e críticas
O Fim Da Viagem, O Começo De Tudo é o tipo de filme que possui muitas metáforas e camadas (na verdade qualquer filme se você quiser também vai ter rs), como disse antes umas óbvias outras nem tanto. E isso acontece também nas críticas desse filme.
Se você procurar por aí, você verá muitas críticas rebuscadas, feitas com metáforas linguísticas pra parecem mais interessante do que de fato são. Quando na verdade só estão dizendo obviedades.
Vou te dar um exemplo com um pequeno spoiler, continue por sua conta e risco.
Lembra que eu disse que o sonho de Yoko era ser cantora? Pois bem, existem dois números musicais no filme (que me pegaram de surpresa), você vai ver por ai que a grande maioria achou essas cenas (principalmente a segunda) desnecessárias, pois botava um romantismo no filme que não existia até o momento.
Acontece que ela não estava cantando essa música para um amor (se é que ele existe, eu tenho uma teoria sobre isso rs), Yoko estava cantando para ela mesma. Não é atoa que basicamente só me foquei na personagem da Atsuko Maeda, o filme é todo dela e sobre ela.
Ok Doug, mas vale a pena?
O Fim Da Viagem, O Começo De Tudo é um filme mais contemplativo e minimalista, um estudo singelo de personagem. Atsuko Maeda provando que idols merecem e devem ser respeitados, pois ela esbanja talento aqui. Vale por ela.
Esse é o fim do filme, assista por sua conta e risco
Onde Assistir O Fim Da Viagem, O Começo De Tudo (2019)?
Eu assisti O Fim Da Viagem, O Começo De Tudo (2019) através do Sesc, disponibilizado pela sua plataforma Sesc Digital.
