Provavelmente você já deve ter visto por aí muitos vídeos com o título, Kabukichô: O bairro mais perigoso do Japão, e embora isso seja relativamente uma verdade, na vida real as coisas não são bem assim.
Kabukichô (que fica no bairro de Shinjuku em Tokyo) é um bairro boêmio, um bairro cheio de entretenimento adulto, love hotels (motel), casa de hostess (estabelecimento onde uma anfitriã te agrada e faz você gastar fortunas em comida e bebida, não necessariamente casas de prostituição), e claro prostituição. Também é conhecido por ser o bairro com a maior concentração da Yakuza no Japão (junto com Osaka), o dorama Like a Dragon: Yakuza (2024), também se passa neste bairro.
Explicação (bem resumidas rs) dadas, vamos para o que interessa: Kabukichô: O Hotel do Amor.
História
Kabukichô: O Hotel do Amor é aquele tipo de filme onde não temos necessariamente um protagonista, são várias histórias que se intercalam dentro de um Love Hotel (chamarei a parti de agora só de motel para facilitar rs). O filme em si é um ensaio sobre o submundo da noite japonesa.
O filme tenta tocar em vários desses pontos, desde imigrantes sul coreanos que acabam indo para “serviços adultos” para ganhar mais dinheiro, produção de filmes pornográficos, prostituição e vários outros esquemas do submundo, inclusive aliciamento de menores.
Lendo esse resumo parece que teremos um filme pesado e sujo né? E é aí que o filme brilha, embora o filme toque e mostre um pouco desse mundo “pesado e sujo”, ele faz questão de deixar tudo humanizado ali, nem toda pessoa que está nesse mundo são pessoas ruins, as vezes a vida pode nos levar para lugares não tão legais.
Mas o filme não está aqui para julgar, o filme quer apenas mostrar esse sub mundo. E deixar pra gente julgar ou não cada personagem, a verdade é que o grande protagonista do filme, é o hotel e o sentimento melancólico e/ou instigante de ter que participar desse mundo.
Um filme sobre o amor
Embora seja um filme que toque em temas controversos da sociedade japonesa, principalmente relacionados a sexo (o que falaremos mais pra frente), gosto de como o filme não torna tudo só sobre a sujeira, mas também mostra como existe uma certa hipocrisia em relação a esse assunto.
Eu tenho alguns colegas que julgam muito pessoas que trabalham nesse meio, mas são os mesmo que consomem esse tipo de produto. Não é porque você trabalha com algo sujo, que necessariamente você se torna uma pessoa suja. O filme é justo o bastante pra ao mesmo tempo não romantizar esse tipo de mundo, mas também não julgar totalmente.
Na verdade é um filme sobre sexo, mas também sobre o amor. Não querendo dar spoilers, mas já dando, o filme conclui todas as suas histórias de forma concisa e justa. Algumas terminam bem e outras nem tanto, mas todas as história que terminam bem foram onde existia amor, ou algum sentimento verdadeiro, tanto de aceitação, como de perdão.
Tem uma cena específica que acontece durante o filme que exemplifica bem isso. Existe uma personagem, a melhor do filme inclusive, que se chama Hena (Lee Na-ra), ela é coreana é foi para o Japão tentar dar uma vida melhor pra sua mãe, mas logo se viu trabalhando de “Call Girl” para gerar mais dinheiro.
Pois bem durante um atendimento, alias deixa eu explicar uma coisa antes rs. No Japão a prostituição é ilegal, então existe um tipo de serviço que é basicamente você ligar para uma agencia de mulheres, e elas vão até você. Geralmente em motéis, o encontro consiste em basicamente um banho, massagem, relação sexual oral (pois a penetração vaginal seria crime, é complicado de explicar em detalhes rs). Obviamente que entre paredes tudo pode acontecer, e geralmente acontece, mas só pra vocês entenderem o contexto.
Hena apesar de trabalhar com o submundo é uma pessoa boa, com bastante empatia, tenta entender até seus clientes mais violentos. Pois no fundo, ta todo mundo tentando sobreviver e ter um mínimo de prazer na vida. E precisamos lembrar que ela é coreana, isso faz tudo ser ainda mais profundo.
O filme se passa em 2015, pouco tempo depois do tsunami que destruiu algumas cidades no Japão, onde aconteceu muitos protestos contra coreanos no Japão. Então uma coreana ser a personagem que mais entende os dilemas morais dos japoneses, é bem profundo.
Mas voltando, em um desses atendimentos ela solta a frase pra um de seus “clientes”:
“Por favor me lave, talvez a sujeira não saia, mas eu preciso que você me lave”.
É uma cena tão emblemática, que é impossível você não se emocionar. E estamos falando de uma de sexo e nudez, mas que provavelmente é uma das cenas mais profundas de todo o filme. Quando você assistir e entender o contexto, vai ser mais forte ainda do que eu estou te dizendo.
Uma verdade inconveniente
Mas apesar de preferir tocar em todos os lados de um submundo de forma humanizada, tanto os bons quanto os ruins, não podemos negar… é um filme sobre sexo. Ou melhor sobre como quase tudo na nossa sociedade (não só na japonesa) tem alguma relação com sexo.
Pode ser uma verdade inconveniente que muito de nós gostamos de fingir que não existe, mas eu sei, você sabe, que muito da nossa sociedade é feita com base em relação sexuais, sejam elas por: amor, interesses financeiros, ou relações de poder.
Como disse lá no começo, o filme tenta abordar quase tudo em relação a isso. Desde o mundo da pornografia que paga bem, principalmente se as atrizes foram novas. Adultério, prostituição, e mundo o artístico.
Uma das personagens do filme é a Saya Iijima (Atsuko Maeda), uma cantora em início de carreira que vê através do sexo um forma de crescer na sua carreira, ela acaba aceitando transar com um produtor famoso em troca disso, relutante no começo ela acaba aceitando que isso faz parte do jogo. E o personagem ser justamente interpretado pela Atsuko Maeda faz tudo ser ainda mais interessante, até porque, ela é a idol que conseguiu sair de um grupo com “300” meninas e se tornar um destaque como solista na indústria.
Então é impossível não imaginar que ela talvez, veja bem talvez, esteja falando do mundo que ela vivou ou até mesmo participou. O mundo artístico jovens, não é tão lindo como parece.
Inclusive tem um filme dela que se chama O Fim Da Viagem, O Começo De Tudo (2019) que acho que conversa muito bem com esse tema (apesar de não ser um filme sobre sexo), vale a pena vocês darem uma olhada. É o segundo filme dela que passa a impressão que ela esta falando da indústria que resolveu trabalhar.
O sujo também pode ser limpo
Outra coisa que pra mim o filme se destaca é na forma com que quase tudo é mostrado, todo o filme é filmado quase que com uma iluminação natural, a ideia era justamente mostrar que apesar dos pesares, o que vemos acontecer em tela é normal, é algo corriqueiro que acontece todos os dias de baixo do nosso nariz.
Os únicos momentos que filme tenta dar uma cara mais “artística” digamos assim é justamente nas cenas de sexo, principalmente nas cenas da personagem da Hena (Lee Na-ra). Como ela é de fato a única garota de programa do filme, as cenas dela tem um teor fantasioso, como de fato é uma relação com esse tipo de profissional, por mais que seja uma relação que pareça ser real, que pareça ter sentimento (e às vezes pode até ter) se trata apenas de uma encenação.
Tanto que na cena que ela solta a melhor frase do filme, nem existe de fato uma relação sexual, pois tudo ali não era encenado, mas vivido e com bastante emoção.
Existe também uma outra cena de sexo, onde está acontecendo um adultério. É uma cena feita de forma mais “suja” pois se trata de uma relação de fato apenas por puro prazer, não envolve sentimento. As escolhas estéticas desse filme foram muito bem pensadas.
Porém, pra um filme que se propõe a tocar em assuntos controversos, e se propõe também em mostrar essas cenas (o filme poderia ter sido contato sem mostrar cenas de sexo por exemplo), censurar algumas dessas cenas não fez sentido algum. Pra que filmar se fosse pra censurar depois?
E veja bem, eu entendo que a lei japonesa é bem rígida em relação a cenas de sexo (o que é bem irônico, mas isso é outro papo rs), mas o filme não mostra órgãos genitais, poderia facilmente não precisar da censura, uma pena.
Ok Doug, mas vale a pena?
Kabukichô: O Hotel do Amor é um filme onde a experiência de assistir será melhor do que qualquer coisa que eu falar aqui. Se você não se incomodar com cenas de nudez, é um filme que vai te fazer refletir muito sobre o submundo da noite japonesa. E apesar de ser um filme sobre sexo, não é necessariamente sobre o sexo, mas sobre pessoas.
Beijos e até mais!
Trailer
Onde Assistir Kabukichô: O Hotel do Amor (2014)?
Eu assisti Kabukichô: O Hotel do Amor (2014) através do finado Movie Asian Fansub.
Alguns filmes podem não estar mais disponíveis no catálogo dos serviços de streamings, nos fansubs e nem a venda, mas estou sempre atualizando os links… então fique sempre de olho.
[…] Foi assim com os filmes Masked Ward (2020) com a personagem da Mei Nagano, com o filme Kabukichô: O Hotel do Amor (2014) com a personagem da Lee Na-ra e com o dorama Miss Sherlock (2018) com a personagem da Yuko […]