Uma das marcas do cinema do diretor Kiyoshi Kurosawa é usar seus filmes como uma metáfora e crítica sobre a cultura japonesa e com Creepy não poderia ser diferente.

Se em Kairo (um dos meus filmes preferidos de todos os tempos, um dia trago ele aqui), a alegoria era sobre o isolamento social, em O Fim Da Viagem, O Começo De Tudo a alegoria era sobre diferenças culturais, em Creepy temos uma alegoria à suposta formalidade japonesa e de como a cultura japonesa faz com que as pessoas sejam de certa forma reprimidas.

E o filme acerta demais nesse quesito, mesmo que numa analise superficial o filme pareça ser feito de personagens burros e inconsequentes.

Ryôko Fujino, Hidetoshi Nishijima, Teruyuki Kagawa e Yuko Takeuchi em cena do filme japonês Creepy de 2016.
Parece uma cena normal né?! rs

História

Depois de ser esfaqueado por um psicopata, um detetive resolve se mudar para o subúrbio para recomeçar sua vida dando aulas em uma universidade, lá ele conhece vizinhos estranhos e logo as coisas começam a ficarem bem estranhas. Ao mesmo tempo durante seu trabalho (ele dá aula justamente sobre casos criminais), ele descobre um caso antigo não resolvido e muito estranho, movido pela curiosidade ele resolve investigar… é tudo estranho no filme (seu título não é Creepy atoa).

Leia de novo o parágrafo acima, é exatamente isso que você pensou. O vizinho estranho tem relação com esses crimes antigos. Realmente é um filme sem muitas surpresas, embora o filme tente criar um certo suspense sobre o que de fato está acontecendo. É desnecessário, o vizinho estranho é de fato um serial killer manipulador, mas é aí que está o proposito do filme. Usar as obviedades (e em muitos momentos uma ingenuidade dos personagens) como alegorias para a formalidade exagerada que se tornou a cultura da sociedade japonesa. Quando você vive tranquilo, você só percebe a merda depois que ela acontece.

Yuko Takeuchi e Teruyuki Kagawa em cena do filme japonês Creepy de 2016.
Seduzida e apavorada ao mesmo tempo.

Como assim formalidade?

Se você gosta do Japão e da sua cultura, sabe que embora alguns estereótipos estejam mudando (de forma bem lenta), o Japão é um país muito formal e contido (por isso suas obras soam exageradas em todos os sentidos pra quem não tem costume e nem conhecimento, é uma forma deles extravasarem). Essa mudança cultural no Japão aconteceu meio que de forma abrupta após o país ser atacado por bombas nucleares durante a Segunda Guerra Mundial.

De lá pra cá o Japão se tornou um país que abraçou a formalidade, e isso fez com a sociedade ficasse contida dentro de si própria. E o que aconteceu quando você se prende demais? Ou algo catártico vai acontecer com você, ou você se torna facilmente suscetível a outras pessoas e é exatamente sobre isso que o filme que tratar.

Quando no filme você acha estranho um departamento policial ser tão inocente e incompetente, é proposital. O filme quer mostrar que a burocracia e formalidade japonesa, pode fazer que um crime horrendo seja simplesmente esquecido, não por incompetência como acontece em certos lugares, é diferente.

Hidetoshi Nishijima e Teruyuki Kagawa em cena do filme japonês Creepy de 2016
A estranheza do banal.

Quer um outro exemplo? O personagem principal do filme. O detetive Koichi Takakura (Hidetoshi Nishijima de Drive My Car) é mostrado como sendo um sujeito que confia na academia e acaba sendo esfaqueado justamente por acreditar demais. Passamos boa parte do filme vendo ele como o estereotipo de herói, mas tudo muda quando ela usa sem nenhum pudor os sentimentos de uma garota para concluir sua investigação. Seria ele tão diferente do psicopata manipulador?

O filme trabalha muito bem esses aspectos na maioria dos personagens, todos ali (tirando obviamente o assassino). Em certo momento do filme Mr. Nishino (Teruyuki Kagawa), vulgo o assassino solta a seguinte frase:

“Você não entendeu nada Takakura, tudo que essas pessoas estão fazendo são pelas escolhas delas”.

O que é uma verdade, embora manipuladas claro, ninguém está sendo obrigado a nada. Todas as ações dos personagens são frutos de seu próprio interior.

Seja uma esposa infeliz em seu casamento, que aceita galanteios de um sujeito esquisito. Ou uma jovem com problemas psiquiátricos. Todo mundo ali é estranho de alguma forma.

O problema é que o filme passa do ponto e fica forçado até demais, beirando a fantasia.

Hidetoshi Nishijima e Yuko Takeuchi em cena do filme japonês Creepy de 2016
Não de chance pro azar e de atenção pra sua esposa rs

Deus X Machina?

De acordo com Wikipedia, Deus X Machina é uma expressão que significa literalmente “Deus surgido da máquina”, e é utilizada para indicar uma solução inesperada, improvável e mirabolante para terminar uma obra ficcional. E é exatamente isso que acontece no filme.

Como você vai justificar que um sujeito esquisito (que você provavelmente manteria distancia) conseguia manipular tão facilmente as pessoas? Se for em filme coreano, você mete hipnose no meio (o que não é o que acontece aqui).

Não vou dizer o que é (já contei demais sobre o filme), mas é broxante e jogado. Se tivessem simplesmente deixado fora isso e mostrasse mais as interações dos personagens teriam tido um resultado melhor e ainda ampliaria as alegorias que o filme se propus a apresentar.

Teruyuki Kagawa em cena do filme japonês Creepy de 2016.
Simpatia em pessoa #sqn

Um filme estranho

Provavelmente o título do filme define exatamente o que o filme é, e não somente na história e na virada fantasiosa que ele apresenta, mas também na sua linguagem estilística.

Tem uma cena específica que mostra bem isso, quando Takakura está conversando com uma sobrevivente do serial killer, o filme faz uma interessante jogada de luz e sombra pra mostrar quando o personagem deixar o seu “monstro” interior surgir para confrontar a garota com perguntas, pra segundos depois voltar a claridade e o personagem soltar a clássica frase: Desculpe.

O problema é que mais uma vez isso não acompanha todo o filme, são apenas em alguns momentos. As cenas são boas, mas como parecem que são meio jogadas ficam muito fora da linguagem que o filme vinha tendo, tornando tudo muito estranho.

Provavelmente foi proposital, mas sei lá… estranho rs.

Haruna Kawaguchi, Hidetoshi Nishijima e Masahiro Higashide em cena do filme japonês Creepy de 2016.
Essa é a cena que mencionei.

Ok Doug, mas vale a pena?

Como cansei de dizer aqui, é um filme estranho. Se você comprar a ideia do filme (principalmente do terceiro ato) você vai gostar muito mais que eu (rs).

Trailer

Onde assistir Creepy (2016)?

Eu assisti através do Sesc, disponibilizado pela sua plataforma Sesc Digital.

Alguns filmes podem não estar mais disponíveis no catálogo dos serviços de streamings e nem a venda, mas estou sempre atualizando os links… então fique sempre de olho.

REVISÃO GERAL
História
Como assim formalidade?
Deus X Machina?
Um filme estranho
creepyCreepy (クリーピー) - Japão - 2016 - 2h 10m. <br> Gênero: Crime, Drama, Terror, Mistério, Thriller.<br> Direção: Kiyoshi Kurosawa. <br> Elenco Principal: Hidetoshi Nishijima, Yuko Takeuchi, Teruyuki Kagawa, Ryôko Fujino, Haruna Kawaguchi, Masahiro Higashide.

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