Não tem como eu mentir, Miss Sherlock não é um dorama que eu pretendo assistir de novo, é um dorama repetitivo na maioria dos episódios, telegrafado em suas resoluções (o que pra um dorama que trabalha com investigação e plot twists é um problema). Porém existe um elemento que pra mim salvou Miss Sherlock da mediocridade, o fato de terem escolhido transformar o clássico personagem do Sherlock Holmes em uma mulher.
E tudo isso se passando no Japão, uma sociedade onde se espera (corretamente rs) uma postura mais “encaixadinha” das pessoas, principalmente das mulheres, faz tudo ser ainda mais interessante. Méritos claro da saudosa Yûko Takeuchi (Sherlock), provavelmente uma das minhas atrizes japonesas preferidas que entrega uma Sherlock complexa e que de fato carrega o dorama nas contas.
História
Missh Sherlock segue dois estilos narrativos, de um lado temos um dorama ao estilo “caso da semana”, onde vemos Sherlock (Yûko Takeuchi), Wato-san (Shihori Kanjiya) e junto com a polícia tentam resolver casos criminais misteriosos de assuntos diversos.
De outro lado temos, a tentativa pelos menos (rs), de fazer com que a maioria desses casos tenha uma relação, mesmo que isso seja feito em apenas 5 minutos por episódio para culminar nos dois últimos episódios do dorama.
Esses dois últimos episódios, de fato são bons, mas destoam um pouco do dorama. Às vezes parece que no meio da história resolveram trocar o que estavam planejando desde o início e pesaram um pouco a mão pra fazer com que os casos tivesses uma ligação. Talvez se a escolha fosse resolver só um caso e com o tempo chegarmos a conclusão final teria feito mais sentido.
Outra coisa que atrapalha na história, pelo menos pra mim obviamente, é que do nada o dorama resolve incriminar um personagem, mas não faz sentido nem pra quem tá assistindo e muito menos pra história do dorama. E tudo é feito pra tentar dar uma carga dramática maior. E veja bem, em termos de personagens, interpretação… convence. Mas não fez muito sentido a forma como chegaram até ali.
Sherlock mulher, é lacração?
Porém chegou o momento de falarmos do assunto do momento, a lacração. Sherlock mulher é lacração? Já adianto pra você, não… não é! E digo mais, foi a salvação do dorama.
Mas primeiro, vamos para um contexto. Sherlock Holmes é uma história antiga, de um detetive com hiper foco que junto com seu parceiro Watson resolvem crimes que a policia não consegue resolver. Já tivemos várias versões por aí, desde a original que se passava na época vitoriana em Londres, versões mais contemporâneas, como a versão com Benedict Cumberbatch e as versões rocambolescas para o cinema com Robert Downey Jr.
Pois bem, eis que chegamos na versão japonesa onde não só Sherlock virou uma mulher, mas Watson e a grande maioria dos personagens também e se passa em Tokyo. E quando isso acontece logo vem aquela problemática, “Ih lá vem a lacração”.
Lacração, cultura woke ou como a Liga Nerdola gosta de dizer “lacrate”, de forma bem resumida pois é um assunto bem complexo, é quanto mudam a etnia, sexualidade, personalidade de um personagem (geralmente branco) para torna-lo em um instrumento político, onde a militância sobrepõe à arte e/ou o entretenimento. Sabe quando um personagem do nada, para pra tentar dar uma aula de feminismo, racismo, criticar o capitalismo, etc? Então é um pouco disso.
E veja bem, não estou dizendo que isso não existe, claro que existe. Mas nem toda troca de etnia e afins é lacração. Provavelmente é? Sim, mas não necessariamente! E no caso de Miss Sherlock não é, é exatamente essa troca que é o diferencial do dorama.
Não dá pra negar que o dorama quer mostrar uma visão mais feminina da história de Sherlock Holmes (no dorama só Sherlock), mas não é um filme sobre feminismo e nem sobre superioridade da mulher perante o homem. Mas é um dorama feminino.
Sherlock não quer te ensinar o “certo”, ela só quer resolver os casos, simples assim. Ela não é masculinizada (inclusive tem um senso de moda absurdo de bom), ela não julga os homens como inferiores, até porque o dorama não quer vilanizar o homem só por ser homem. Tem homens bons e ruins, assim como mulheres, assim como pessoas brancas, assim como pessoas negras, assim como pessoas heterossexuais, assim como pessoas homossexuais… e por aí vai.
Não é um dorama ideológico, é um dorama sobre a visão feminina sobre as coisas. E isso meus amigos, não é lacração, é escolha criativa e que pelo menos aqui foi a melhor coisa do dorama.
Miss Sherlock (Yûko Takeuchi)
Mas como disse antes, o destaque de Miss Sherlock é a saudosa Yûko Takeuchi, ela é de longe, mas bem de longe a melhor personagem do dorama. A Sherlock de Yûko Takeuchi é uma mistura de várias versões de Sherlock Holmes com o L do Death Note (que por sua vez já tinha alguns aspectos do próprio Holmes rs).
Ela é uma pessoa diferente de todos, não segue as normas da sociedade japonesa… vou te dar um exemplo, tem um momento do dorama que durante a investigação de um crime ela invade a casa de um suspeito, mas nem se importa em tirar os sapatos. Ela é interpelada pela Wato-San para tirar os seus sapatos.
Essa cena é o dorama querendo nos mostrar como ela não liga pra formalidade japonesa, e lembre-se é uma mulher fazendo isso… e na frente dos policiais (todos homens).
Gosto também como apesar de não deixarem claro, eles dão a entender que Sherlock possui uma espécie de Autismo e/ou Asperger (o que inclusive justifica ela ter hiper foco). E é na interpretação sublime e discreta da Yûko Takeuchi que a gente percebe isso.
Toda vez que algum som alto acontece, ela coloca as mãos nos ouvidos, ela tem dificuldade de expressar seus sentimentos em palavras, mas faz tudo pelo olhar, com pequenos gestos. É uma atuação que me fez dar uma nota maior do que eu provavelmente daria, mas o que é bom precisa ser valorizado.
Infelizmente a atriz Yûko Takeuchi nos deixou em 2020, ela foi encontrada sem vida no seu apartamento. Oficialmente não foi decretado se ela realmente teria tirado sua vida, mas tudo indica que sim. O caso ainda não foi totalmente fechado. Já falei dela por aqui no post do filme Creepy (2016), pretendo falar de outras obras dela por aqui, fiquem de olho.
Wato-san (Shihori Kanjiya)
Porém se eu gostei da personagem da Miss Sherlock, alias amei, o mesmo não posso dizer sobre a Wato-san (Shihori Kanjiya), e isso nem é culpa da atriz, que eu até gosto também, mais do desenvolvimento da personagem.
No dorama, Wato-san é uma médica que acabou de chegar da Síria (ela trabalha com os médicos sem fronteiras), ela conhece Sherlock durante um atentado no aeroporto (seu professor foi assassinado), Sherlock claro foi lá investigar. A e “do nada” o hotel que ela estava pegou fogo, ela acabou indo morar junto com Sherlock.
Além da relação delas começar de forma forçadíssima, sinto que a atriz deveria ser mais adulta para uma médica, em certos momentos parece uma criança. Eu sei que foi proposital, pra justificar o final da personagem e mostrar a evolução dela e também para contrastar com a personalidade mais fria da Sherlock, mas achei que ficou fora de tom.
Porém não sei se você já percebeu, a melhor referências às obras originais é justamente no nome da personagem, Wato-san (Watson).
Os japoneses usam o sufixo san após o nome ou sobrenome de uma pessoa para demonstrar respeito e educação. É o sufixo mais comum e pode ser usado em quase todas as situações, tanto com homens quanto com mulheres. Então Watson, virou Wato-san, legal né? Bom, eu gostei.
Uma segunda temporada?
O dorama termina com uma cena que instiga uma segunda temporada, mas depois do que aconteceu com a atriz infelizmente não teremos, e nem acho que deveríamos. Sherlock foi uma personagem marcante demais pra outra atriz simplesmente pegar o papel, melhor que fique assim.
Que sirva de homenagem para a atriz Yûko Takeuchi, uma atriz talentosa, mas que infelizmente teve um fim trágico.
Uma curiosidade, a atriz Yûko Takeuchi na época ganhou várias premiações japonesas com esse papel. Ela é considerada uma das melhores atrizes da geração dela. Descanse em paz.
Ok Doug, mas vale a pena?
Miss Sherlock é um dorama de personagens, não necessariamente sobre uma história interessante. Porém a interpretação de Yûko Takeuchi vale a pena, nem que seja pra você assistir só por ela. Quer uma dica, assista os dois primeiros episódios e depois os dois últimos, o meio é um tanto quanto repetitivo.
Trailer
Onde assistir Miss Sherlock (2018)?
Eu assisti Miss Sherlock (2018) pelo Céu Asiático.
[…] Nagano, com o filme Kabukichô: O Hotel do Amor (2014) com a personagem da Lee Na-ra e com o dorama Miss Sherlock (2018) com a personagem da Yuko Takeuchi. E agora com a “psicogatinha” da Rio Miyaichi (Haruka […]